Um dia destes dei com o meu espanto aguçado, quando numa conversa banal uma conhecida comentava: “o meu filho brinca demais”. Esclareço já!- Falava de uma criança. Uma criança que ao fim de semana brincaria o tempo todo que lhe fosse permitido. Sim, já que durante a semana tem uma “agenda fantástica”, preenchida com a “escolinha fantástica”, “atividades fantásticas” e “tempos livres fantásticos”. Uma canseira! “Fantástica”- Digo eu- que só de a pensar e escrever me cansa!
Preciso portanto, de dizer, de escrever, sobre isto.
Brincar funciona para a criança como um pequeno laboratório, de segurança acrescida e controlada, onde a criança se ensaia e ensaia o mundo que a rodeia, sendo dona de si e da sua criação. É no espaço da brincadeira, do tão sério “faz de conta”, que a criança alimenta o seu espaço mental e lhe dá “espessura”. Uma criança que não brinca será um adulto sem sonhos, provavelmente sem segurança para experimentar soluções para as suas dificuldades.
Os sonhos precisam pois de espaço interior para poderem ganhar asas, e a segurança, de raízes fortes nesse espaço. Chamemos a esse espaço, o espaço da criatividade e, de uma forma mais lata, do pensamento.
Não dar espaço ao pensamento é condenar a criança a ser um prisioneiro de si, um aluno em dificuldade e um amigo aborrecido com medo de estar com o outro.
Deixem brincar as crianças e que não se confunda, já agora, o brincar com a tão em voga “ocupação de tempos livres”- os tais fantásticos!”- que de livre, no sentido da liberdade, das tais asas e raízes, têm muito pouco. No lugar disso, são mais uma aprisionamento das crianças num tempo e num espaço definidos. Bem sei que são um mal menor, no sentido em que, pelo menos assim, os pais estão livres, para poderem trabalhar, e tranquilos relativamente à segurança dos filhos. Foi certamente um adulto quem batizou assim essas atividades. Uma criança chamar-lhe-ía outra coisa, certamente!
Portanto, dê-se à criança a possibilidade de brincar com liberdade. Ao brincar ela descobre, ela aprende, ela organiza conceitos, ela dissipa os seus conflitos. Brincar pode ser considerada uma formação superior, para se ser uma pessoa mais feliz. Deixem as crianças serem felizes e brinquem com elas. Não há melhor maneira de descobrir quem é a criança, do que brincar com ela.
*Sílvia Ferreira
19 de Outubro de 2014
*Psicóloga Clínica Especialista
Psicoterapeuta
Terapeuta Familiar e de Casal
Foto de https://lukatchu.blogspot.pt